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Pimenta no bico dos passarinhos é alimento

Descubra por que as aves são imunes à ardência das pimentas
  • Categoria: Geral
  • Publicação: 09/08/2023 18:56
  • Autor: Por Luciano Lima - Terra da Gente

Sempre que recebo uma visita na minha casa para almoçar ou jantar e a pessoa comenta que gosta de pimenta, eu, muito discretamente escondo um potinho de pimenta que fica sobre a mesa da cozinha, junto com azeite, sal e outros temperos.

Isso mesmo, escondo... Não que seja uma pimenta cara e eu seja pão duro, ou uma pimenta rara de se conseguir que eu não queria dividir com ninguém. Eu escondo essa pimenta para as pessoas não passarem vergonha. Mas, antes de eu tomar a decisão de esconder das visitas minha conserva de "Carolina Reaper", atualmente considerada a pimenta mais ardida do mundo, o mesmo episódio se repetiu algumas vezes.

Durante alguma refeição, assim que a visita pegava o pote de pimenta sobre a mesa, eu imediatamente alertava: "cuidado que essa é brava, é uma gotinha, duas no máximo". A maioria das pessoas ouvia e usava a pimenta com cautela, mas de vez em quando alguém respondia algo como "relaxa, eu gosto muito de pimenta" e pingava várias gotas de pimenta por todo o prato.

Assim que a pessoa dava a primeira garfada no prato salpicado com as gotas de pimenta, eu notava na hora a cara feia tentando disfarçar. "Nossa essa é fortinha, heim?", era o que geralmente eu ouvia. Lá pela terceira ou quarta garfada, era notável que a pessoa estava bem arrependida e desconfortável e eu sugeria fazer outro prato. Algumas pessoas pediam desculpa e faziam, outras, se colocavam na posição de pagar uma espécie de penitência gastronômica e iam até o fim.

Assim, percebendo que vez ou outra alguém não ia obedecer à regra da "uma gotinha", para manter a integridade das minhas visitas, resolvi esconder a pimenta. Se, na mesma mesa, estivessem sentadas comigo alguma das "visitas" que tomam café da manhã e almoçam diariamente no comedouro no meu quintal, eu não me preocuparia em esconder comida dos meus convidados. Afinal, as aves são imunes à ardência das pimentas.

A maioria das pimentas e dos pimentões que a gente conhece aqui no Brasil - esses últimos variedades de pimentas que foram selecionadas para aumentar o tamanho e perder o ardor - pertencem ao gênero Capsicum, e a família Solanaceae, a mesma família do tomate e da batata. A pimenta-do-reino, a pimenta-rosa e algumas outras plantas, embora sejam "temperadas" com pimenta no nome, pertencem à famílias completamente diferentes das pimentas "verdadeiras", por exemplo, a pimenta-rosa é da mesma família do caju, Anacardiaceae.

Diferentes substâncias são responsáveis pela ardência das pimentas "verdadeiras". Em conjunto, essas substâncias são conhecidas como capsaicinoides e são encontradas exclusivamente nas frutas das plantas do gênero Capsicum. O ardor causado pelos capsaicinoides, que aprendemos a apreciar como tempero, é odiado por todos os demais mamíferos testados até o momento.

O que acontece é que, nos mamíferos, os capsaicinoides estimulam receptores nervosos, desencadeando os mesmos efeitos neurológicos de outros estímulos que nos causam dor, como queimaduras, por exemplo. Já para as aves, os capsaicinoides aparentemente não possuem efeito algum, ou um efeito completamente diferente, já que um experimento mostrou que, algumas aves, parecem preferir sementes banhadas em pimenta do que sementes sem esse tratamento.

Resultado direto disso, corroborado por diversos trabalhos científicos que analisaram quais animais se alimentam de pimentas. É que praticamente nenhum outro animal além de aves consome pimentas na natureza. O bicho homem seria uma das únicas exceções, mas convenhamos que somos um bicho "esquisito".

Mas qual seria o interesse das pimentas em agradar as aves e causar dor nos mamíferos? Um estudo publicado em 2001 fornece pistas. Os pesquisadores ofereceram variedades de pimenta sem ardência para duas espécies de roedores e uma espécie de ave. Depois avaliaram a germinação das sementes que passaram pelo trato digestivo desses animais. Resultado: as sementes de pimenta ingeridas por aves germinaram praticamente todas, as ingeridas pelos roedores simplesmente não germinaram.

Conclusão da história, enquanto os roedores atuam como predadores de sementes, as aves são dispersoras, ou seja, transportam e plantam as sementes longe da planta mãe. Assim, a ardência das pimentas é uma adaptação para deter o consumo do seu fruto por predadores e estimular o consumo por dispersores. Não por acaso, para quem é capaz de consumi-los, os frutos das pimenteiras são muito nutritivos, sendo ricos em proteínas, vitaminas e gorduras.

Diferentes estudos científicos foram publicados nos últimos trinta anos analisando a relação das aves e mamíferos com a pimenta, mas, como muitas vezes acontece, a sabedoria popular já sabia disso. No início do ano, eu estava passarinhando na fazenda do meu pai em Coqueiral, no Sul de Minas, e encontrei um pezinho de pimenta selvagem de Capsicum. Quando fui pesquisar a espécie descobri que seu nome científico é Capsicum baccatum e seu nome popular... Adivinhe... Pimenta-de-passarinho.

Se "pimenta nos olhos dos outros é refresco" eu não sei... Mas no bico dos passarinhos, pimenta é comida fresca.